terça-feira, 29 de julho de 2008

Ele então se levantou com todas as promessas e imperfeições do mundo em sua cabeça amassada de insônia e cansaço, com o cheiro agradável de orquídeas que ela usava há tanto tempo. Olhou em volta, ainda era o mesmo quarto, sempre seria aquele quarto. E não havia nada no mundo mais agradável do que aquelas roupas bagunçadas e cinzas de cigarro por todos os lados, aquela janela aberta que dava pro vizinho, também insone, o qual nunca havia visto de perto. Nada tão meticulosamente perfeito quanto o desenho das rachaduras na parede, tão completo como a estante dos velhos livros que eram lidos no tempo em que se lia. Hoje, ele sentenciou a si mesmo com um sorriso nos labios. Era hoje. Tomou seu banho e fez a barba, e dessa vez foi mais demorado. Fez café, buscou pão, cumprimentou a velha ranzinza e fofoqueira de sempre. Acenou para o porteiro do prédio ao lado e não comprou o maço de cigarros habitual. Ao invés disso comprou aveia para comer com leite, bem moída, parecendo vômito, como dizia sua mãe. Voltou para casa com a sensação que precede a maré de alegria que envolve a todos nós,quando paramos de pensar a respeito dos problemas. Então tomou o leite com aveia olhando para o relógio, finalmente eram duas horas pensou. Limpou a louça e deixou uns trocados para a mulher da faxina.

Foi encontrado morto na manhã seguinte, “suicídio” diziam os vizinhos e amigos, “ele andava cabisbaixo” sentenciavam aqueles que não o conheciam bem, mas eu sempre me pego pensando que foi algo muito maior, como quando um pássaro ferido reaprende a voar.

Um comentário:

Anunciante disse...

Um texto realmente bom...